Quinta, 21 Novembro 2024

Corra! Que a Demência vem aí...!

Uma perspectiva emergente, que ganha mais e mais apoio em pesquisas científicas, e que relaciona a prática de atividades físicas regulares com substanciais benefícios para a saúde em geral, vem encontrando aplicação como medida preventiva em áreas médicas inesperadas.

Num artigo recente de revisão, publicado no número de Fevereiro da revista Exercise and Sport Sciences Review*, a pesquisadora Deborah Barnes e colegas, analisam o papel desempenhado pela atividade física regular na prevenção das Demências, particularmente, do Mal de Alzheimer.

A autora do artigo e seus colaboradores realizaram um estudo com delineamento longitudinal, que se estendeu por um período de 8 anos. Nele, 5.925 mulheres, pertencentes à terceira idade, foram monitoradas de forma regular com respeito ao engajamento em atividades físicas, envolvendo o tempo e a estimativa de dispêndio energético (Kilocalorias) semanal naquelas atividades, além de se submeterem, periodicamente, a exames de avaliação cognitiva. Com base nestes exames, realizados pela aplicação de testes psicológicos, foi construído um critério de Declínio Cognitivo, isto é, uma maneira objetiva de avaliação das funções cognitivas, normalmente comprometidas em casos patológicos como o Mal de Alzheimer.

O resultado encontrado foi que, depois de ajustados os valores para os fatores demográficos e certos covariados relacionados a outras patologias, não relacionadas à demência, o declínio cognitivo para as mulheres que figuravam no terceiro e quarto quartil superiores reduziu-se em cerca de 34% e 37%, quando comparadas às mulheres posicionadas em quartis inferiores.

Confirmando este resultado, um estudo longitudinal desenvolvido no Canadá, Canadian Study of Health and Aging, que incluiu 4.615 sujeitos (homens e mulheres) pertencentes à terceira idade, mensurou a associação entre preservação das funções cognitivas e a atividade física. Os sujeitos que eram mais ativos, quando comparados com os sujeitos sedentários, apresentaram redução de 42% no prejuízo cognitivo, conforme um índice de declínio cognitivo análogo àquele empregado por Barnes.

Segundo Barnes e associados, as vias pelas quais a prática regular de atividades físicas reduz os riscos de declínio cognitivo e de patologias como a demência, encontra-se na capacidade de prevenir doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e obesidade. Todas estas condições estão, sabidamente, associadas ao surgimento de demências.

Outra linha de evidência acerca desta associação entre atividade física e preservação das funções cognitivas, vem de um estudo realizado por Gertz e colegas, publicado em Circulation Research**, periódico da American Heart Association (AHA). Nesta investigação, desenvolvida com camundongos, os cientistas promoviam a oclusão transiente de uma das artérias mediais centrais dos cérebros dos sujeitos, isto é, provocavam uma espécie de AVC nos mesmos. Depois da manipulação e recuperação, os animais eram mantidos em gaiolas com uma diferença: era permitido ao grupo experimental realizar atividade física voluntária (correr em esteiras rolantes), enquanto que, ao seu turno, o grupo controle era mantido sem nenhuma atividade física. Os animais do grupo experimental, que realizavam exercícios, apresentaram enorme redução na extensão do infarto provocado pela oclusão arterial, além de mostrarem preservação nas funções cognitivas.

Segundo estes autores, o efeito em questão estava relacionado á ação do Oxido Nítrico (ON) e de uma isoforma do Óxido Nítrico Synthase (eONS) de origem endotelial. O ON é um vasodilatador potente e os vasos sangüíneos no cérebro são regularmente expostos a esta substância, com origem no endotélio. Em diversas espécies, incluindo a humana, sabe-se que o ON atua como uma molécula mensageira, mediando a maioria das respostas dependentes do endotélio no cérebro. Através deste mecanismo de sinalização, o ON modula o tônus vascular de repouso e outras respostas como, por exemplo, a taxa de fluxo sangüíneo, respostas vasoconstrictoras (previne o vaso espasmo cerebral) e pode alterar a permeabilidade da barreira hematoencefálica. O exercício físico teve como efeito o incremento nos níveis circulantes do hormônio Fator de Crescimento Vascular Endotelial (FCVE), substância capaz de ativar o eONS com conseqüente promoção de angio-gênese, além de aumentar a expressão da eONS na vasculatura e nas células progenitoras endoteliais (CPE). Normalmente, estas células são recrutadas em situações de isquemia, uma vez que atuam como mecanismo reparador celular e, como foi mostrado, o exercício produziu o aumento na taxa desta resposta.

Assim, o exercício físico foi capaz de incrementar a densidade vascular e o fluxo sangüíneo cerebral, tanto em regiões isquêmicas como não isquêmicas, incrementando, através de sua ação sobre eONS e CPE, a perfusão cerebral em curto e longo prazo, bem como a preservação das funções cognitivas mesmo em sujeitos com injúria cerebral.

As evidências produzidas até agora, de diversas e variadas fontes, parece não deixar dúvidas acerca do efeito preventivo que a prática de exercícios físicos pode desempenhar com respeito ao surgimento de moléstias extremamente debilitantes. Não se trata de esforços extenuantes, de técnicas elaboradas ou de equipamentos sofisticados, mas apenas de se reservar entre 30 a 60 minutos diários para a realização de atividades físicas, que podem consistir em nada mais que uma corrida leve ou mesmo uma caminhada vigorosa. A magnitude do benefício frente ao custo do que é exigido, faz de tal prática uma das menos custosas e eficazes terapias jamais descobertas.

*Barnes, D. E., Whitmer, R. A. & Yaffe, K. 2007. Physical activity and dementia: The need for prevention trials. Exercise and Sport Science Reviews. 35(1): 24-29.

** Gertz, K., Priller, J., Kronenberg, G. et al. 2006. Physical activity improves long-term stroke outcome via eNOS-dependent augmentation of neovascularization and cerebral blood flow. Ciculation Research, 99: 1132-1140.

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