Quinta, 21 Novembro 2024

Performance em Ironman

Aplicação de Biofeedback e EMG em Tempo Real ao Monitoramento esportivo: Performance em Ironman

Artigo1-3_pubIntrodução
A análise eletromiográfica registra os impulsos elétricos gerados pela atividade muscular, quando quer que os músculos sejam ativados. Existem duas técnicas de registros eletromiográficos: de superfície e de agulha (Preston & Shapiro 2005).
Na técnica de agulha, o registro é realizado pela inserção, no músculo do indivíduo, de uma agulha que possui eletrodos, permitindo o exame preciso do padrão de ativação de um músculo determinado (Lee & DeLisa 2005).

A eletromiografia de superfície é realizada através de eletrodos posicionados na pele, sobre o músculo específico que se deseja examinar (Bower & Matsumoto 2002). Ainda que menos precisa que a anterior, uma vez que captura sinais elétricos de múltiplos músculos, tem a vantagem de possibilitar o registro dos padrões de ativação muscular em situações “naturalísticas”, isto é, no momento que o indivíduo está utilizando sua musculatura esquelética em situações ordinárias, como andar, levantar objetos, exercitar-se.
O desenvolvimento tecnológico de sistemas de captura de sinais fisiológicos elétricos, como é o caso da eletromiografia, tornou possível a execução de novas formas de observação – estamos em posição de registrar impulsos eletromiográficos e, simultaneamente, monitorá-los visualmente (Herman 2002). Isto é assim porque existem sistemas que capturam o sinal elétrico de forma analógica (p. ex. detectam a intensidade da corrente elétrica presente), e, ao mesmo tempo – ou depois de intervalo de tempo insignificante – digitaliza a informação, exibindo-a em forma gráfica numa tela de computador. Isto é, para todo fim prático, estamos observando o registro dos impulsos elétricos de origem fisiológica em tempo real – o mostrador gráfico é instantaneamente comensurado com a ocorrência do processo fisiológico de interesse.
No curso de um monitoramento deste tipo nos é facultado ampla margem de manipulação. Em primeiro lugar, podemos monitorar a ativação muscular de um individuo no decorrer mesmo de sua execução, no caso de um atleta, naquele exato momento em que desempenha um determinado exercício. Assim, torna-se possível um acompanhamento fino de seu desempenho, pois se podem analisar aspectos de sua locomoção ao correr, pedalar, ou nadar. Variáveis como a coordenação muscular, estimativas de dispêndio energético, ciclo contração/inibição de agonistas/antagonistas ipsilateral e contralaterais, podem ser analisadas com enorme precisão. Mais importante, certos parâmetros antes inacessíveis ao monitoramento simultâneo, nos são agora disponibilizados. A partir do dado elétrico bruto, capturado pelos eletrodos, contamos com algoritmos embutidos no sistema capazes de calcularem rapidamente parâmetros como amplitude e freqüência da corrente, além de outras magnitudes elétricas. Tal processo permite que, em paralelo com o desempenho do exercício, possamos calcular índices de relevância crucial para a performance otimizada, como é o caso da Coerência de Ativação, Razão entre Freqüências, Freqüência Média, Dominante, Amplitudes e outras informações.
Em segundo lugar, como seria de se esperar, podemos também gravar tais registros, em forma digital, e recuperá-los posteriormente para análise ulterior, mais detalhada. Assim, uma vez que os dados brutos é que são gravados, temos condições de realizar novas operações sobre os mesmos, descobrindo associações e características que não eram “visíveis” no decorrer do monitoramento.
Em terceiro lugar, e aqui uma abordagem realmente nova e distintiva, podemos incorporar técnicas de biofeedback, com o fim de incrementarmos o desempenho (Sime 2003, Krebs & Fagerson 2003). O monitoramento em tempo real pode ser estendido ao próprio atleta, que observaria sua resposta fisiológica juntamente com o experimentador, tanto em representação gráfica tradicional, como em forma de símiles lúdicos. Isto é, o atleta poderia examinar, no correr de seu exercício, o padrão de sua resposta fisiológica, ou em forma tradicional, com gráficos de linhas eletromiográficas e informações acerca daqueles parâmetros acima mencionados (amplitude, coerência, etc.), ou poderia observar uma representação lúdica deste padrão fisiológico. Por exemplo, uma balança com dois braços, que representa a forma pela qual a ativação muscular num membro, seja, a perna direita, se relaciona com a ativação muscular num outro membro, a perna esquerda. Assim, caso o movimento total do pedalar, isto é, seu encadeamento cíclico, fosse coordenado, os braços da balança restariam em equilíbrio.
Salta aos olhos o grande potencial deste tipo de monitoramento, em que o atleta seria capaz de observar, através de elementos lúdicos, a qualidade de seu desempenho no momento em que o realiza. Além do que, o treinador especializado poderia intervir, em momentos oportunos, chamando a atenção do atleta para dimensões de seu desempenho que poderiam ser melhorados, ou corrigindo falhas lá detectadas.
Em outras palavras, abre-se um todo um campo novo de aplicação, em que técnica de Biofeedback estaria sendo posta a serviço da melhoria nas habilidades corporais implicadas na prática dos esportes, tanto globais como específicas.
Um exemplo concreto do monitoramento eletromiográfico, combinado à aplicação do Biofeedback, será apresentado a seguir. Trata-se de um segmento do acompanhamento global de um atleta em preparação para uma competição de Ironman. Conforme programado, o acompanhamento ocorrerá por todo o período de treinamento. O trabalho, portanto, está ainda em curso, previsto para durar até o momento da competição. Antes de passar à descrição do experimento propriamente dito, faço um relato breve dos procedimentos realizados do começo do trabalho até agora, com o fim de comunicar os contornos gerais do trabalho global de monitoramento.

Estudo de Caso: Monitoramento de um atleta para a competição de Ironman

De início, fora realizada uma bateria de testes morfofuncionais – determinação de suas características antropométricas, estimativa da capacidade aeróbica e anaeróbica, resposta às perturbações no balanço hídrico, taxa de utilização de diferentes substratos, e outros parâmetros pertinentes – com duplo objetivo: apurar a condição de saúde física do atleta e estabelecer os parâmetros de linha de base do mesmo. Depois, com tais dados em mãos, teve início o acompanhamento monitorado, este último delineado para ocorrer periodicamente, em intervalos mensais. Este regime de observação é o mais indicado, uma vez que intervalos mais reduzidos entre uma instância e outra de monitoramento seriam inócuos em relação às eventuais transformações no desempenho, um intervalo mais distendido poderia falhar na elaboração de um perfil global da progressão – ou regressão – das capacidades e habilidades do atleta.
O acompanhamento da evolução das habilidades motoras do atleta é efetuado de forma a contemplar as três modalidades esportivas incluídas numa prova de Ironman: Natação (3,8 km), Ciclismo (180 km) e Corrida de longa distância (42 km). Idealmente, o funcionamento locomotor do atleta deveria ser examinado em cada uma destas dimensões. Nossa estratégia, com efeito, abrange os três campos de preparação. É também verdade, contudo, que uma prova de Ironman inclui um núcleo fixo de capacidades físicas mínimas, capacidades estas implicadas em cada uma das três modalidades que a compõe.
Lançando mão de recurso conceitual, com fim unicamente clarificador, poderíamos enfocar a prova de Ironman como pedindo por duas grandes classes de habilidades, que denominarei de capacidades gerais aeróbicas e habilidades de
coordenação motoras específicas. A primeira destas classes consiste naquelas capacidades que operam de forma absolutamente homogênea nas três modalidades específicas da prova de Ironman, e, de certo, em qualquer tipo de esporte que requeira um esforço submáximo continuado, interpolado com intervalos curtos de esforço máximo. Em suas dimensões respiratórias, cardiovasculares e conversora energética, a capacidade aeróbica é pré-condição para qualquer esporte de longa duração. No entanto, desdobra-se de forma uniforme, indiferenciada, em qualquer tipo de exercício físico que dela necessite. A segunda classe de habilidades, ainda que mostre certa sobreposição em alguns casos de modalidades esportivas análogas – a coordenação nos membros superiores em competições de diferentes tipos de barco a remo, por exemplo – estabelecem sintonia fina com certas formas particulares de movimento. A coordenação nos movimentos dos membros superiores numa etapa de natação não recebe, em absoluto, a mesma ênfase que encontra numa etapa de ciclismo.
Estou ciente, desde logo, que esta partição da modalidade esportiva que examinamos não é exaustiva, e, com célere prontidão, me desculpo com aqueles que, mais bem preparados nesta matéria, possam, por ventura, ofender-se. Mas, não me causa grandes dores de consciência preservá-la neste artigo, uma vez que apela a objetivos formais, de clareza, antes que a qualquer realidade concreta. A razão de sugeri-la é que torna muito mais simples a interpretação do papel da técnica de Biofeedback neste tipo de preparação.
Pois, acontece que o Biofeedback somente ganha sua máxima relevância, a verdadeira atualização de todas as suas potencialidades, quando dirigido ao segundo tipo de habilidades – é aqui que o campo de aplicabilidade desta abordagem recebe sua mais plena expressão. A razão desta seletividade em aplicação pode ser encontrada na natureza da técnica. O Biofeedback engendra sua máxima eficácia quando logra isolar um determinado objeto sobre o qual se dará a intervenção, um determinado foco sobre o qual suas lentes possam ser dirigidas. Além do mais, as capacidades aeróbicas são, em essência, muito mais estáveis ambientalmente, submetidas a um controle genético mais extenso. Em outras palavras, são muito mais resistentes às transformações impostas por estímulos externos, vindo “de fora”. Tudo isto é muito diferente quando olhamos para as habilidades motoras específicas, extremamente lábeis, em continua adaptação às transformações experimentadas pelo ambiente.
E sendo estas as características centrais do método de intervenção através do Biofeedback, seja em relação ao aprimoramento do desempenho esportivo, ou em relação a qualquer outro campo, o experimento a seguir focaliza um tipo de habilidade específica: a habilidade ciclística do atleta em monitoramento. Creio que esta escolha
será recompensada na medida em que se revele como bastante ilustrativa deste tipo de aplicação.

Materiais e Métodos

Os resultados a seguir foram derivados de um treino de ciclismo, eles foram gerados através de registro eletromiográfico de grupos musculares centralmente envolvidos na tarefa de pedalar.

Participante
Trata-se de um triatleta em fase de preparação para disputar um competição de Ironman. O objetivo a ser perseguido consistia num acompanhamento de todo este período de preparação, monitorando a evolução de seu desempenho, procurando otimizar as habilidades e técnicas específicas a este tipo de competição, em nenhum momento colocando em risco sua saúde física.

Mensurações
Os grupos musculares examinados foram os quadríceps e hamstrings das pernas esquerda e direita. O interesse era analisar os padrões de articulação e coordenação entre estes grupos, atentando para a capacidade do atleta em realizar de forma ótima a contração e inibição, visando à coordenação recíproca destes músculos.
As medidas antropométricas foram realizadas através da pesagem e determinação da altura (Balança antropométrica Welmy, SP: Brasil, Estatiômetro Holtain: Holtain Ltda. Essex, UK, Caliper Harpenden: Baty Int., England), resultados estes que foram reforçados pela técnica de Bioimpedância (BioScan 920-2, Multifrequency Analyser, Maltron Int. Ltda.). A Bioimpedância foi também utilizada na determinação dos volumes de água e taxa de desidratação. Neste experimento queríamos investigar o balanço hídrico do sujeito, antes e depois do esforço, no interior de um determinado regime de reposição de líquidos: ingestão de água no correr da prova. Portanto, o sujeito foi orientado a ingerir água de forma livre, isto é, na medida em que sentisse sede (Hew-Butler et al. 2006, Noakes & Speedy 2006). Os testes bioquímicos foram feitos através de coleta de sangue capilar, amostras estas submetidas a um analisador químico (Easylyte Plus, Na/K/Cl Analyser, Bedford, Ma, USA). O dispêndio energético foi determinado por métodos indiretos, através de equações metabólicas. O custo energético foi calculado a partir da
taxa de trabalho (Potência) – estimada pela relação entre distância, velocidade e carga aplicada aos pedais – e da massa corporal. A equação (1),a seguir, foi utilizada nesta estimativa:

Formula01

Por sua vez, o custo calórico do exercício foi calculado levando-se em conta a relação entre custo energético e massa corporal. A equação utilizada foi a seguinte:

formula02

Os eletrodos (descartáveis, BioLogica) foram posicionados de forma a registrarem as repostas musculares dos quadríceps e hamstrings, tanto da perna direita quanto da esquerda (Perotto, 2005). O codificador de eletromiografia utilizado foi um Nexus 64 (Custom specification, 64 channels, Software BioTrace 32AC, MindMedia Technology, Netherland). Os sinais foram registrados numa taxa de 2048 amostras por segundo, aplicaram-se filtros digitais, de tipo IIR, “band pass” entre 10 Hz e 500 Hz. Os “clusters” estatísticos “épocas” usados numa taxa de 16. Estas últimas são conjuntos de dados estatísticos, extraídos das amostras, armazenados num determinado número de vezes a cada segundo.
É natural que os sinais registrados não sejam uniformes quanto aos músculos particulares. Conforme mencionado na seção de introdução a este trabalho, a técnica de eletromiografia de superfície não possui precisão suficiente para que a atividade de músculos específicos seja registrada. Em nosso caso particular, temos de reconhecer que alguns músculos salientaram-se em relação a outros, basicamente, aqueles de maior tamanho e proximidade ao eletrodo. No entanto, uma vez que nosso interesse dirigia-se à resposta produzida por grupos musculares, tal limitação não apresenta tanta gravidade. As fotografias 1, 2 e 3, abaixo, mostram o sujeito durante o experimento. Note a posição dos eletrodos nas regiões anteriores e posteriores das duas pernas:

Fig. 1- Eletrodos na coxa posterior

Fig. 2- Eletrodos na coxa anterior

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Fig. 3 – Eletrodos posicionados nos Quadríceps ipsilaterais

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As informações acerca da posição exata dos eletrodos, a denominação dos mesmos e a origem do registro, encontram-se na tabela 1, abaixo. Na mesma tabela estão discriminados os músculos que, com toda a certeza, tiveram proeminência nos registros eletromiográficos.

Tabela 1 – Posição dos eletrodos

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Procedimentos

O sujeito compareceu ao laboratório tendo cumprido com algumas instruções prévias: (a) nenhum alimento deveria ser ingerido nas 4 horas anteriores ao teste; (b) hidratação normalizada, o sujeito foi orientado a ingerir líquidos ad libitum até 3 horas antes do teste, nenhum líquido deveria ser ingerido depois desta marca. (c) Nenhum esforço suplementar deveria ser realizado há até 6 horas antes do teste, devendo o atleta limitar-se a sua rotina regular de atividades cotidianas.

A bicicleta (Felt, modelo s22, ergonomia adaptada para triatlo) utilizada no experimento foi a mesma com a qual o sujeito treina regularmente, a mesma bicicleta que erá levada para a competição. A preparação do aparato contou com a montagem da bicicleta num ciclosimulador (CatEye CS 1000, CatEye Inc., Osaka: Japan). Isto foi possível, neste experimento, uma vez que nenhum dos parâmetros investigados nesta fase do trabalho exigia, para serem mensurados, adaptações especiais na bicicleta. Um tal arranjo é positivo, uma vez que permite uma avaliação realística da habilidade ciclística do sujeito, mas, como implicado mais atrás, nem sempre é factível – existem testes cujas variáveis somente podem ser acessadas com o uso de cicloergômetros especiais (p. ex. com dispositivo de estimativa da carga aplicada nos pedais)

Depois de colocados os eletrodos o sujeito iniciou o teste em ritmo lento, aquecendo a musculatura. Este intervalo propiciou a estabilização do sinal de eletromiografia, condição necessária para a realização de medidas mais precisas. Depois, estando o sujeito já aquecido, a velocidade foi incrementada até um patamar médio, aquele mesmo utilizado em treinos regulares. Esta velocidade foi mantida por 30 min., sendo então elevada para um nível de esforço máximo (90 % VO2 max). Esta condição foi mantida por 20 min, e, ao fim deste intervalo, reduziu-se a velocidade para o nível anterior, característica de treinos moderados. Este grau de esforço moderado foi mantido por mais 30 min, entrando então o sujeito, em intervalo total de 10 min., em redução progressiva da velocidade, até o encerramento do teste. A Tabela 2 mostra o protocolo do teste ciclístico.

Tabela 2 – Protocolo para o teste ciclístico

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Durante todo o teste o sujeito foi monitorado através do sistema de eletromiografia, havendo a possibilidade de intervenção verbal, caso alguma falha fosse

detectada, por parte do experimentador. Esta intervenção em momentos específicos, chamando a atenção para algum aspecto indesejável da performance e visando corrigir desvios ou otimizar a tarefa – neste caso o pedalar – é o que caracteriza a técnica de Biofeedback. Isto é, através de monitoramento de algum processo fisiológico, aqui, a ativação e inibição coordenada dos grupos musculares quadríceps e hamstrings, torna-se possível transformar a forma de registro fino sendo processada – impulsos elétricos – em estímulo visual – marcas gráficas numa tela de computador. Por meio deste expediente, o sujeito, com a ajuda do experimentador (ou terapeuta), toma ciência daquele processo fisiológico fino, ganhando, assim, a capacidade de regulá-lo.

Análise Estatística

O cálculo dos índices de Coerência foi realizado sobre as freqüências médias registradas em cada um dos canais. Para estes cálculos, utilizaram-se métodos pertencentes à estatística de séries temporais (Time series), mais particularmente, o cálculo de auto-correlações. Estes modelos foram aplicados aos resultados produzidos com a ajuda de análise de freqüências, mais exatamente através de análise espectral.

Além disto, as medianas cumulativas entre freqüências foram, por sua vez, computadas pela utilização de métodos da estatística de tendências (Trends). Finalmente, a inclinação das curvas produzidas pelas freqüências registradas no EMG foram determinadas através de integração (iEMG). As FFT (Fasta Fourier Transforms), bem como outros cálculos matemáticos, necessários para a análise espectral e determinação das iEMG, foram realizados através do programa MatLab R2006a. Para a análise estatística utilizou-se o pacote SPSS For Windows V. 13.0.

Resultados

Os dados antropométricos referentes às medidas lineares, bem como à composição corporal estão descritos na tabela 3.

Table 3 – Parâmetros Antropométricos Pre- and Pos-test

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A tabela 4 inclui o perfil bioquímico e o status hídrico do sujeito em dois momentos, antes e depois do teste. Como mencionado, o sujeito foi instruído a ingerir água ad libitum, simplesmente respondendo ao desejo de beber. Ao todo, ele ingeriu 1.5 L. de água pura, nenhum tipo de mineral (Na ou K) foi adicionado à bebida.Table 4 – Parâmetros Bioquímicos Pre- and Pos-teste

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Chama a atenção a grande perda de água experimentada pelo sujeito, pois apesar da reposição considerável (? 1.5 L.) de fluido, ele apresentou perda de peso de 3 Kg (ver tabela 3). A razão mais provável para este regime hídrico foi a temperatura ambiental no momento do teste, em torno de 28°/30° C, aliada a alta umidade relativa do ar, cerca de 87 %. Seja como for, é interessante notar que, apesar da redução na massa corporal, a razão entre a quantidade de água no compartimento extracelular e intracelular, manteve-se estabilizada. De fato, como nos informa a tabela 4, o índice ECW/ICW sofreu ligeira redução no pós-teste. Mas, um exame atento revela que esta alteração deveu-se a uma contração na quantidade de fluidos no compartimento extracelular, cuja magnitude

foi de 2.3 %. Esta contração é exatamente o que seria esperado numa taxa de desidratação como a observada, pois o suor é seguido de grande perda de Na, obrigando o organismo a utilizar recursos de Na disponíveis no compartimento extracelular (Hew-Butler 2006, Noakes 2004, Sanders et al. 2001). Com efeito, a variação na quantidade de Na no pre- e pos-teste, como indicado na tabela 4, foi mínima, equivalente a 1.3 mmol/l.

Um panorama geral dos resultados provenientes dos registros eletromiográficos é apresentado na tabela 5, 6 e 7. Na tabela 5, figuram os parâmetros derivados de operações sobre a freqüência dos sinais elétricos extraídos do processo de ativação muscular. A variável de coerência, estabelecida entre a atividade em dois grupos distintos de músculos, representa uma medida de correlação cruzada entre as freqüências dos impulsos originados em dois canais distintos. O algoritmo empregado considera a razão entre os auto-espectra dos dois canais e os seus espectra cruzados. O spectrum de cada um destes canais foi computado através de análise espectral (Ronager, J. et al. 1989), com o emprego de FFT (Fast Fourier Transforms), aplicadas sobre as "épocas". Os valores na tabela são as médias destas correlações.Table 5 – Valores das variáveis de coerência obtidos pelos eletromiogramas.

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O "ratio" entre ativação de músculos ipsilaterais, apresentados na tabela 6, consiste na simples divisão algébrica entre as freqüências medianas calculadas com base nos dados cumulativos, obtidos através das "épocas", no experimento como um todo. O intuito aqui era tentar acompanhar possíveis "deslocamentos" (shifts) destas medianas, normalmente, em eletromiografia de superfície, uma indicação de fadiga (Basmajian & De Luca 1985, Enoka 2002, Sacco et al. 1997). Assim, caso esta razão entre freqüências medianas desviasse muito do valor 1 (ou -1), isto indicaria assimetria em ativação muscular. Conforme os valores na tabela 5 nos mostram, a razão entre as medianas não apresentou tal desvio.

Tabela 6 – Razão entre freqüências na ativação muscular

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A tabela 7 mostra os valores das médias das inclinações (?) das curvas do EMG em cada uma das pernas, isto é, os dois grupos musculares pertencentes a cada perna foram conjuntamente considerados. Elas foram calculadas pela integração das curvas geradas pelos eletromiogramas (iEMG), curvas estas, definidas como as variações no EMG em função do tempo (Kamen & Caldwell 1996). Os resultados abaixo se referem ao iEMG computado durante um período de 5 min, em cada uma das duas condições de esforço. Seguindo a sugestão feita por Takaishi e colegas (Takaishi et al. 1994, 1996), admite-se aqui que esta medida é um estimador da fadiga neuromuscular, isto é, a intensidade de fadiga no músculo seria diretamente proporcional à magnitude da inclinação da curva.Tabela 7 – Inclinação das curvas de iEMG sob duas condições de Esforço

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As inclinações são consistentemente inferiores na perna esquerda, e, de forma similar, quando comparamos as duas condições de esforço, revelam-se inferiores na condição moderada. Assim, temos evidência de que os grupos musculares pertencentes à perna direita estavam mais avançados no processo de fadiga e que tal estado era mais acentuado na condição de esforço máximo.

Discussão

Os seres humanos são capazes de uma gama enorme de movimentos e combinações de movimentos. Entre as inúmeras possibilidades podemos identificar classes particulares, passíveis de serem agrupadas pela razão de que encerram alguns elementos comuns. Uma atividade como o ciclismo, nosso tópico neste trabalho, envolve uma destas classes, aquela que, entre os estudiosos de biomecânica, é usualmente denominada "movimentos cíclicos". Esta classe caracteriza-se, bem como diferencia-se de outras, devido a uma bem definida particularidade, a saber, a repetição contínua de um padrão de movimento fundamental (Martin et al. 2000). Uma classe de movimentos como esta possui certas propriedades distintivas, comum a todos os membros. Assim, quando um deslocamento qualquer baseia-se em movimentos deste tipo, a velocidade média de progressão é dada pelo produto da distância média percorrida por ciclo de movimento e a taxa média pela qual cada ciclo de movimento é repetido. Este último elemento, taxa média de repetição do ciclo de movimento, é denominado cadência.

No caso de movimentos humanos, a velocidade, a distância e a cadência costumam ser determinados de maneira livre, isto é, são selecionados pelo sujeito. Além disto, uma das mais notáveis características do ser humano é a enorme flexibilidade que apresenta em situações locomotoras, podendo, via de regra, intencionalmente alterar a velocidade, a distância e a cadência, como resposta a possíveis transformações ocorridas no ambiente.

Dada esta enorme capacidade plástica do sistema locomotor humano em suas múltiplas implementações, e dado que o ciclismo não é uma exceção, alguns cientistas sugeriram que os ciclistas procurariam selecionar arranjos locomotores que teriam o efeito de minimizar os custos energéticos associados ao pedalar. A tese afirmava que, em movimentos cíclicos em regime de steady-state, em esforço submáximo, a taxa de consumo de energia por unidade de massa seria minimizada para um dada tarefa. Quando este argumento era aplicado, de forma específica, ao aspecto da cadência, ele significava que para uma dada atividade cíclica, os custos energéticos seriam minimizados quando uma determinada cadência cumprisse com dois requisitos: fosse auto-selecionada e fosse a preferida daquele sujeito que a selecionou (Holt et al. 1991, 1995).

Mas, tal tese não pode ser generalizada para o caso do ciclismo. Esta atividade parece representar um tipo de locomoção cíclica para a qual a cadência mais econômica é diferente da cadência preferida (Böning et al. 1984, Coast & Welch 1985, Marsh & Martin 1993, 1997). Em geral, para as diversas modalidades de ciclismo, a

demanda aeróbica (custo energético) reflete uma relação curvilinear com a cadência, de tal forma que a demanda de energia mínima não é ajustada à cadência de preferência do ciclista (Bönig at al. 1984). Num estudo desenvolvido por Marsh e Martin (1977), enquanto que a cadência mais econômica situar-se-ia em cerca de 53-60 r.p.m., a cadência preferida pelos sujeitos foi de 90-95 r.p.m.

Situação semelhante foi encontrada com relação ao parâmetro de "eficiência mecânica". Ainda que alguma evidência – de que haveria uma relação entre cadência preferida e eficiência – tenha sido apresentada, os dados são, no momento, equívocos e de difícil interpretação, com resultados contraditórios (Cavagna & Franzetti 1986, Redfield & Hull 1986). Por outro lado, trabalhos buscando associar cadência preferida pelo ciclista e otimização de esforço muscular (Redfield & Hull 1986, Hull et al. 1988) retornaram resultados positivos. Trabalhos desenvolvidos por Takaishi, Moritani e colegas (Takaishi et al. 1994, 1996, 1998) apontaram para uma outra variável que, com toda a certeza, tem relevância crucial na escolha de cadência preferida, trata-se da fadiga neuromuscular. Isto é, a cadência preferencial em atividades ciclísticas ajustar-se-ia àquela que minimiza a fadiga neuromuscular (Takaishi et al. 1996, Ahlquist et al. 1992).

Uma das descobertas deste grupo de cientistas (Takaishi et al. 1996) foi que o registro de iEMG era reduzido em cadências altas – 80-90 r.p.m. – enquanto que o custo metabólico era minimizado em cadências baixas – 60-70 r.p.m.. O mais importante é que, exatamente naquelas cadências em que o iEMG aparecia minimizado, aquelas mais altas, ali estavam as cadências preferidas pelos sujeitos. Em suma, as cadências preferidas pelos ciclistas não parecem ser, definitivamente, aquelas que exigem menor custo metabólico para sua execução.

A explicação para este resultado foi sugerida por Ahlqist (1992), quem apela ao perfil fenotípico das fibras musculares mobilizadas em atividades ciclísticas, tomando este fato como ponto de partida para compor seu modelo. Em experimentos cuidadosamente delineados, com sujeitos pedalando em taxas de 85% da potência aeróbica máxima, Ahlqist examinou este problema. Ele descobriu que o consumo de glicogênio nas fibras musculares de tipo II era muito mais elevado depois de pedalar em 50 r.p.m. do que em 100 r.p.m. O consumo de glicogênio em fibras de tipo I, por outro lado, não se diferenciava entre as duas cadências. Uma vez que, para uma mesma geração de potência, a força aplicada ao pedal em cadências superiores era inferior àquela requerida em cadências inferiores (Patterson & Moreno 1990), segue-se, portanto, que a força muscular necessária em cadências superiores é reduzida em relação à exigida para cadências inferiores. Além do mais, um recrutamento menor de fibras de tipo II era exigido em cadências superiores (Ahlqist 1992).

Em outras palavras, pedalar em condição de steady-state obriga a um recrutamento elevado de fibras de tipo II quando em cadências inferiores, implicando em mais rapidez no processo de fadiga. Em cadências mais altas, o uso preferencial de fibras de tipo I posporia, consideravelmente, o início da fadiga. Neste segundo caso, contudo, em vista do grande número de repetições por unidade de tempo – a cadência é muito mais elevada – o custo energético será incrementado. Mas, no balanço final destas tendências contrastantes e em detrimento da minimização do custo energético, ênfase é dada aos mecanismos de prevenção da fadiga e da otimização da geração de potência, e é a avaliação destes parâmetros que determina a escolha de uma cadência particular.

O reconhecimento destas descobertas deverá presidir a análise do experimento aqui examinado, bem como fornecer os fundamentos para possíveis intervenções informadas. E, sem dúvida, é instrutivo observarmos os resultado mostrados mais acima, particularmente, aqueles referentes à tarefa de pedalar.

O sujeito, em geral, apresentou grande habilidade em ciclismo, como se depreende dos coeficientes de coerência, que aparecem na tabela 5. O índice mais elevado corresponde ao trabalho de contração/inibição dos músculos agonistas/antagonistas da perna esquerda. Depois, os índices relativos aos músculos da perna direita são de magnitude inferior, isto é, os músculos análogos na perna direita sugerem pouca coordenação entre si. Com respeito aos agonistas contralaterais, EMG1/EMG4 e EMG2/EMG3, os índices de coerência são moderados, não apontam para uma coordenação elevada no trabalho conjunto daqueles músculos. Uma vez que estes números mostram marcante desvio em relação ao índice atingido pela ação coordenada na perna esquerda, é razoável supor que a perna direita atuou de forma pouco integrada no conjunto final dos movimentos.

A suspeita acima recebe apoio dos resultados relativos ao iEMG, apresentados na tabela 7. É interessante notar que as inclinações das curvas dos eletromiogramas são de magnitude superior na perna direita. Tanto faz se considerarmos a condição de "esforço moderado" ou "esforço máximo" , os valores serão maiores para a perna direita. Esta configuração de valores sugere que o processo de fadiga ia mais adiantado na musculatura direita, e de maneira uniforme (Quadríceps e Hamstrings, indiferenciadamente). Uma evidência suplementar, em favor desta hipótese, foi o deslocamento mostrado pelas medianas nas razões entre freqüências dos registros de EMG nas duas pernas. Na tabela 6, mais uma vez, o maior e mais substancial desvio das medianas lá avaliadas deveu-se aos eletrodos registrando a atividade muscular na perna direita.

Ainda um outro aspecto de nossa análise concorre na corroboração da hipótese de que é a perna direita, em suas respostas pouco integradas, que contribuiu para a falha de coordenação entre os grupos musculares envolvidos no pedalar. Os valores das inclinações das curvas no iEMG são bastante instrutivos a este respeito. Em condição de esforço moderado, o que, para este sujeito, representava a velocidade regularmente utilizada em treinos, ou mesmo em momentos de recuperação dentro da competição, os valores dos coeficientes ? eram menores na perna esquerda. Como já mencionado mais acima, o início e progressão da fadiga são diretamente proporcionais aos valores destes coeficientes (Takaishi et al. 1996, Martin et al. 2000). Ao transitar para um nível de esforço mais acentuado, os valores das inclinações foram incrementados, mas, mais uma vez, aqueles valores associados á perna esquerda são menores do que os observados na direita. Todas estas análises nos levam à inescapável conclusão que esta configuração particular dos resultados alcançados pelo sujeito apontam, quando se trata dos agonistas/antagonistas pertencentes à sua perna direita, para uma sólida anisometria em seu padrão de ativação muscular (Chapman & Sanderson 1990, Olds 2001).

É certo que tal efeito não poderia ser atribuído a qualquer fator relacionado ao perfil morfológico-corporal do sujeito; estados como de obesidade ou sobre peso, ou, ao contrário, uma massa corporal muito reduzida com efeitos aerodinâmicos negativos (Edwards & Byrnes 2007). Tais inaptidões que certamente interfeririam na habilidade de pedalar podem ser descartadas. Um exame dos dados antropométricos expostos na tabela 3, se comparados às expectativas médias das curvas populacionais (NHANES III 1988-1994, CDC, 2000), torna claro que o sujeito apresenta condições físicas típicas de um atleta.

Nenhum desvio grave manifestou-se em relação ao equilíbrio eletrolítico durante o experimento. O balanço hídrico foi adequadamente preservado, com pequenas sobrecargas, normais para um organismo sob forte estresse. O regime de reposição de fluidos adotado pelo sujeito, que depende da resposta de sede para ingerir líquidos, funcionou muito bem, conforme as medidas de hidratação e desidratação nos informam. O sujeito perdeu o total de 3 kg durante a corrida, a perda estimada de água corporal total foi de 3,91%. Considerando-se a temperatura externa e umidade, este índice de desidratação em relação ao montante de esforço exigido é bastante razoável.

Quando olhamos para os componentes de armazenamento de fluidos percebemos fortes indicações de que a perda de água esteve primariamente associada ao compartimento extracelular. O compartimento intracelular chegou mesmo a apresentar incremento. Uma situação como esta indica que não houve estresse hídrico muito intenso,

que o compartimento celular teve seus recursos eletrolíticos preservados. A perda de água parece estar relacionada a um mecanismo orgânico defensivo, pelo qual o meio extracelular sofre contração como expediente para a manutenção dos níveis de sódio. Uma redução de 1 litro (?7%) neste componente teria a capacidade de liberar 140 mmol/l (?3g) de sódio (Noakes 2004). A este respeito, então, as evidências são definitivas, pois, ao final do esforço, o índice plasmático de sódio era quase que o mesmo registrado antes do teste, estando reduzido em apenas 1.2 mmol/l. Em linha com este resultado, as alterações nos níveis de potássio foram mínimas, com uma redução em cerca de 5.2 mmol/l, algo perfeitamente normal.

Todos estes elementos considerados, nada mais resta senão aceitar que a eficácia no pedalar poderia ter sido seriamente afetada caso o processo de fadiga, identificado no eletromiograma, progredisse naquele mesmo ritmo. As únicas variáveis que poderiam estar por trás desta falha na integração do sistema global de locomoção são as biomecânicas, isto é, nenhum fator externo ao complexo locomotor poderia sugerir algum desvio. Uma vez que os dados apontam a perna direita, como respondendo de forma assimétrica em relação á esquerda, é nesse sistema de músculos que teremos de nos concentrar.

As diferenças observadas nos padrões de ativação dos grupos musculares pertencentes ás pernas direitas e esquerda é a chave, sugiro, para compreendermos o padrão observado. Os valores mais elevados das inclinações das curvas de EMG na perna direita nos indicam que estes grupos musculares estavam, para uma mesma estimulação quando comparados aos outros, respondendo com excitação ampliada. O sujeito, sendo destro, utilizava esta perna como a dominante, isto é, quando tinha de exercer força, em fases de transição para uma velocidade superior, ou no início do teste, para iniciar o movimento cíclico, recorria preferencialmente aos grupos musculares da perna direita.

Esta estimulação preferencial da perna dominante produziria um decremento no limiar de excitabilidade destes músculos, e, por este meio, quando comparados aos da outra perna, tornavam-se mais responsivos à estimulação, qualquer que fosse a intensidade do impulso. Assim, após o início, ou transição de velocidades, os músculos da perna direita recebiam sua cota superior de estimulação sem que, em seguida, o sujeito exercesse certo relaxamento na perna, retornando os patamares excitatórios ao nível daqueles existentes na perna esquerda. A perna direita permaneceria, então, em excitabilidade incrementada, hipertônica em relação a outra, com conseqüente decremento na capacidade inibitória no momento em que a ótima ação entre músculos antagonistas assim o exigisse. É como se esta "hipertonia relativa", que recaía sobre os

grupos musculares da perna direita, produzisse uma espécie de rigidez na mesma (Martin et al. 2000), dificultando o funcionamento coordenado.

A se confirmar esta interpretação, e me parece ser amplamente fundamentada, poderemos lançar mão da técnica de Biofeedback para orientar o atleta a abandonar este hábito não percebido, podendo, então, neutralizá-lo. Algumas intervenções oportunas poderão ajudar o sujeito a relaxar a perna preferencial depois de algum esforço suplementar ( p. ex. incremento de velocidade), mantendo um nível de excitabilidade equivalente nos dois conjuntos de músculos.

Para implementarmos uma abordagem como esta, não apenas o "instrutor" terá papel ativo, mas o "aprendiz", o atleta, participará ativamente. O delineamento para um treino de biofeedback que vise transformar os padrões de ativação observados neste atleta incluiria: a exibição dos registros de EMG dos músculos relevantes, que seriam monitorados pelo instrutor, a exibição de uma tela lúdica observada pelo atleta, que representasse por meios figurativos, a ativação muscular registrada. A tela abaixo exemplifica tal tipo de tela lúdica:

 

IM_Imagem01

Nesta tela os dois êmbolos representam a intensidade de ativação muscular dos quadríceps, o da esquerda representando a perna esquerda, o êmbolo da direita a perna direita. O ideal seria mantê-los alinhados, num ponto médio da escala (no interior do cilindro, lado esquerdo). Isto é, o alinhamento dos êmbolos significa simetria na ativação dos quadríceps ipsilaterais, e, o ponto médio indica que a musculatura não se encontra em hipertonia, responsável pela "rigidez" muscular, causa de fadiga precoce. O instrumento de mensuração, abaixo dos dois cilindros, é uma escala de Vernier, neste caso regulado para refletir a cadência no pedalar. Com este tipo de arranjo, o atleta poderia monitorar a si mesmo, controlando a coordenação dos grupos musculares implicados no pedalar – conforme indicado pelas respostas dos êmbolos – em diferentes níveis de cadência – indicada pelo instrumento de Vernier.

O instrutor, ao seu turno, teria acesso ao monitoramento fino do trabalho muscular, observando os padrões de EMG exibidos em tela separada e em tempo real. Naqueles momentos em que detectasse processos indesejáveis, tais como aqueles que discutimos mais atrás, chamaria a atenção do aprendiz. Esta intervenção pontual permitiria que este último associasse a informação visual proveniente do símile lúdico (o movimento dos êmbolos), com suas sensações proprioceptivas (musculares), e a conseqüente correção do desvio seria reforçada. Desta maneira, através de processos operantes o atleta conseguiria detectar, por via puramente proprioceptiva, os momentos em que a ação muscular recíproca perdesse a coordenação, restaurando, através de um esquema operante anteriormente adquirido, a simetria necessária.

Em suma, o papel do treinamento de biofeedback orientado para o aperfeiçoamento de habilidades e capacidades esportivas específicas é análogo, ou talvez, idêntico, àquele de uma terapia comportamental. O objetivo do "treino" (terapia?) é detectar padrões motores que interfiram negativamente na performance e delinear esquemas de extinção a eles dirigidos. Ao mesmo tempo, colaborar na aquisição (aprendizagem) de esquemas operantes que otimizem o desempenho das habilidades neuromotoras nas modalidades esportivas pretendidas.

Conclusão

Com os novos aparelhos de captura de sinais fisiológicos tornou-se possível registrar e observar processos corporais em tempo real. Esta estratégia de trabalho abriu inúmeras possibilidades de atuação, tanto em ciência básica como na pesquisa e intervenção clínicas. Uma destas perspectivas emergentes associa as técnicas de Biofeedback ao monitoramento e acompanhamento de atletas em fase de preparação

para competições. Tal abordagem tem como fatores distintivos a condição de detectar, isolar e corrigir desvios na expressão das habilidades do atleta, com o fim de otimizá-las. Mais importante, a implementação desta tarefa leva naturalmente a um maior conhecimento das peculiaridades do organismo do atleta em monitoramento, permitindo o acoplamento fino entre desenvolvimento físico e preservação da saúde. Neste trabalho foi apresentado um estudo de caso concreto, ilustrativo desta estratégia de intervenção.

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